domingo, 13 de janeiro de 2013

ENSAIO DOS CORDEIS: Aposentadoria de Mané do Riachão e O Rádio ABC (Patativa do Assaré).


ENSAIO DOS CORDÉIS: Aposentadoria de Mané do Riachão e O Rádio ABC (Patativa do Assaré).

Do ABC à aposentadoria

Ludemberg Pereira Dantas

Antônio Gonçalves da Silva, dito Patativa do Assaré, nasceu a 5 de março de 1909 na Serra de Santana, pequena propriedade rural, no município de Assaré, no Sul do Ceará. Foi o segundo filho de Pedro Gonçalves da Silva e Maria Pereira da Silva. Foi casado com Dona Belinha, de cujo consórcio nasceram nove filhos. Publicou “Inspiração Nordestina”, em 1956, “Cantos de Patativa”, em 1966. Em 1970, Figueiredo Filho publicou seus poemas comentados Patativa do Assaré. Tem inúmeros folhetos de cordel e poemas publicados em revistas e jornais. Está sendo estudado na Sorbonne, na cadeira da Literatura Popular Universal, sob a regência do Professor Raymond Cantel.
Diante a uma inquietude com o estudo da linguagem, buscando estudar suas especificidades, com novas perspectivas analíticas, passo a me dedicar à construção desse ensaio com o objetivo de despertar, através de versos cordelistas, uma visão crítica e reflexiva no que se diz respeito ao “significado da palavra e reconhecimento da região Nordeste brasileira”.

Ao aproximar-se da chamada Literatura de Cordel não se pode deixar de pensar na referência Literatura Popular. Está-se consciente da precariedade de distinções já tão colocadas entre literatura popular e culta, como é o caso de outras formas de expressão artística, vendo-se sempre aberta a possibilidade de uma se transformar em outra, sucessivamente. Tem-se, além disso, a percepção de estar diante de texto-letra, que se oferece como resultado de um complexo percurso sociocultural, equilibrando-se entre os andamentos de vai e vem do culto ao popular e vice-versa, em alternâncias.[1]

Vivenciando a literatura em suas diversas formas, tem-se que a literatura de cordel, bem como uma poesia popular capaz de surpreender e despertar atenção apresenta o poeta e sua rica característica de glosar. Assim, valoriza-se a arte do poeta e sua poesia popular nordestina.
 Aposentadoria de Mané do Riachão e O Rádio ABC são cordéis de cunho regionalista, os quais despertam com suas linguagens simples, relatos que significam um “sertão e um povo sofrido”, quando em consonância a uma imagem estereotipada de um ciclo da seca, que apresenta uma série de realidades, essas das quais qualifica e desmitifica suas histórias. 

Seu moço, fique ciente
De tudo que eu vou contar,
Sou um pobre penitente
 Nasci no dia do azá,
Por capricho eu vim ao mundo
perto de um riacho fundo
no mais feio grutião
e como alí fui nascido,
Fiquei sendo conhecido
Por Mané do Riachão. [2]

            Seu Mané do Riachão, homem simples, na busca de sua aposentadoria, é a representação do homem do Nordeste, vivente do Sertão, homem do trabalho pesado e da fé. Já em O Rádio ABC, tem-se a representação desse Sertão que Patativa do Assaré simboliza como marca dessa vivência marcante, que somente o homem do Nordeste é capaz de expressar:

                               Vejo que o nosso Nordeste
Ê mesmo a terra da fome,
Onde o matuto não veste,
Onde o matuto não come.[3]

            Assim, o nordestino é representado com traços de misérias, fome, injustiças sociais, atraso, revoltas. Durval Muniz de Albuquerque em A Invenção do Nordeste e outras artes destaca:

Um Nordeste construído como espaço das utopias, como lugar do sonho com um novo amanhã, como território da revolta contra a miséria e as injustiças. Um lugar onde a preocupação com a nação e com a região se encontrava a preocupação com o “povo”, com os trabalhadores e com os operários. [4]

Contudo, uma imagem estereotipada esconde o nordestino como ele realmente é. Um povo, que na sua humilde realidade é dono de diversidade, cultura e raça. A linguagem presente em cada palavra, seja ela rítmica ou não, surge da necessidade de um “ABC” para nosso povo pensar:

                Pranta com munto prazê,
Com munta sastifação,
Proque no rádio ABC
Que comprou de prestação
Todo momento que liga,
Além de munta cantiga,
Escuta uma voz falá,
Uma voz dizendo: «prante,
Que o governo garante».
E o seu desejo é prantá.[5]

Esse nordestino carente, plantador, vivente da seca, trabalhador da enxada, do plantio, do pôr do sol, sustentado do feijão e do mungunzá, cheio de fé e esperança, necessitado em sua linguagem, é vítima do “Poder do Estado”, esse que usa da alienação, da falsa ideologia, deixando-os a mercê de dias melhores:

                Este rádio é mentiroso!
Eu só vendendo este diabo![6]

Sempre entrano pelo cano
E sem podê trabaiá,
Com sessenta e sete ano
percurei me aposentar,
Fui batê lá no iscritoro
Depois eu fui no cartoro
Porém de nada valeu,[7]

A certeza de uma vida sofrida, da desilusão. Assim prega-se também o nordestino: homem forte do Sertão. Lugar de estereótipos construídos como essenciais. Perguntas que não querem calar, com seus problemas sempre em foco. Um Nordeste rebelde, bravo, primitivo. “Como as palavras se relacionam com o mundo?” Tudo na linguagem é uma questão de falante e contexto. Com isso, percebe-se nos presentes cordéis a presença/ausência de uma linguagem, essa da qual significa o nordestino bravo e também carente; um Sertão rico e ao mesmo tempo pobre.

                Veja que negoço chato,
O que foi que aconteceu,
Vendeu o argodão barato,
Que tanto trabaio deu!
Aquele bom camponês,
Com as comprinhas que fez,
Nem um centavo sobrou,
Ficou de bôrsa vazia,
Pensando na garantia
Que o rádio tanto falou.

Sem tê no borso um tostão
Vorta o caboco da praça
Pensando em seu argodão
E incabulado, sem graça,
Quando chega na paioça,
Vai derruba nova roça
Pra ôtra safra fazê,
Bem sisudo, resmungando,
Chingando e desconjurando
Aquele rádio ABC.[8]

O sujeito constituído da falta de linguagem, se deixando levar pela falsa pregação, torna-se “uma peça” de um sistema impiedoso. Assim, faz-se necessário o domínio prévio de uma informação, com uma busca incessante da palavra, do seu significado. Em busca de sua aposentadoria, seu Mané do Riachão se depara com tanta burocracia que acaba vivendo sem o seu direito que lhe é garantido por lei:

                Veja moço, o grande horrô
Sei que vou morrer depressa
Bem que a cigana falou
que eu nasci foi de trevessa
Cheio de necessidade
Vou viver da caridade
Uma esmola cidadão
Lhe peço no santo nome
Não deixe morre de fome
O Mané do Riachão[9]

Assim, Patativa do Assaré mostre uma literatura de cordel com uma poesia popular nordestina de um caráter encantador. Valoriza a arte de escrever, junto com ela, sua intensa capacidade analítica, expressando uma linguagem rica e promissora. Nota-se nos cordéis citados, a existência da oralidade, essa a qual permanece fixa em cada verso, juntamente com a rica combinação de rimas métricas específicas, dando embelezamento e sutileza ao estilo desse grande poeta de nossa cultura nordestina brasileira.

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Jerusa Pires. Cavalaria em cordel: o Passo das Águas Mortas. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1993;

JÚNIOR, Durval Muniz de Albuquerque. A Invenção do Nordeste e outras artes. In: Capítulo III, Territórios da Revolta. Editora Cortez, 2006;

http://opovonalutafazhistoria.blogspot.com.br/2011/06/o-radio-abc-patativa-do-assare-poesia-e.html;

https://sites.google.com/site/joaomarialopes/poesia-1.



[1] FERREIRA. p. 11/12, 1993
[2] Aposentadoria de Mané do Riachão (Patativa do Assaré).

[3] O Rádio ABC (Patativa do Assaré).

[4] JÚNIOR, 2006, p. 183/184.
[5] O Rádio ABC (Patativa do Assaré).
[6] Idem.
[7] Aposentadoria de Mané do Riachão (Patativa do Assaré).
[8] O Rádio ABC (Patativa do Assaré).
[9] Aposentadoria de Mané do Riachão (Patativa do Assaré).

Nenhum comentário:

Postar um comentário