segunda-feira, 26 de março de 2012

Alves e Cia - Eça de Queiroz


Alves e Cia - Eça de Queiroz



Enredo I
Dagiza Marques Nazaré [1]

            Compreender a produção queirosiana é compreender, também, a cultura portuguesa, a sua tradição e seu legado histórico. Eça de Queiroz leva ao público o resultado de uma observação crítica e apurada dessa sociedade. Seja nos romances ou periódicos, o escritor constrói um panorama no qual compõe a cada escrita diversas críticas à sociedade burguesa de Portugal do século XIX.  
            Em Alves e Cia, novela publicada no início do século XX, Eça de Queiros constrói uma narrativa comum ao melodrama. O enredo da obra é centrado no adultério, tema recorrente nos livros do autor. Em Alves Cia, Godofredo da Conceição Alves, comerciante bem sucedido, protagonista da historia, tem como sócio Machado, a quem considera quase um membro da família. Godofredo vive ao lado da sua esposa Ludovina um casamento aparentemente perfeito, há entre o casal protagonista uma relação de exclusividade na qual não se permite um amor dividido.  Porém, a presença de outro elemento surge como obstáculo em um relacionamento que até então se mantinha estável.  Ao lembrar-se do aniversario do quarto de casamento com Ludovina, Godofredo volta do trabalho para casa no intuito de surpreender a esposa com um lindo presente, ao entrar em casa sorrateiramente, leva um enorme choque ao flagrar a esposa com o sócio Machado.
“(...) A primeira sala era a de jantar: e para ali comunicavam, por duas portas de reposteiros o boudoir dela e a sala de visitas. Entrou. (...) e o que viu santo Deus, deixou-o petrificado, sem respiração, todo sangue na cabeça, e uma dor viva no coração, que quase o deitou por terra... No canapé de damasco amarelo, diante de duma mesinha, com uma garrafa de vinho, Lulu, de robe de chambre branco, encostava-se, abandonada, sobre o ombro dum homem, que lhe passava o braço pela cintura, e sorria, contemplando-lhe o perfil, com um olhar afagado em languidez. Tinha o colete desabotoado. E o homem era Machado.” [2]

            Para configurar a narrativa de modo a convencer o leitor, o autor, atem-se a efeitos cênicos que regem conflito central da historia. O narrador descreve a cena do possível adultério mostrando as atitudes, os olhares e gestos que revelam a alma e a dor do personagem em uma riqueza de detalhes que impõem à trama uma verossimilhança que leva o leitor a crê verdadeiramente nos fatos.   
            Após a traição, Godofredo se separa e passa a viver em total infelicidade e solidão, sente falta da boa companhia da esposa, da boa comida, da casa em ordem, mas não consegue se livrar da idéia fixa de se vingar e lavar a sua honra. A partir daí, o marido traído passa a elaborar os mais incríveis planos para sua vingança, propõe então, ao sócio um jogo de morte tirado na sorte em que um necessariamente teria de morrer.
            Godofredo se vê diante de um dilema que o tempo todo oscila entre uma vingança como forma de lavar sua honra e o perdão que traria Ludovina de volta aos seus braços. Seus padrinhos de duelo e amigos pessoais, em consenso com o representante de Machado, com o propósito de evitar escândalos, expõem cada um a sua versão e decidem que não deve haver duelo, afinal, “não seria bom para os negócios”.
            Eça de Queirós cria em sua obra um triângulo amoroso clássico, porém rico em desdobramentos dramáticos e morais mostrados satiricamente de diversas maneiras sob olhares e interpretações variadas.
            A fim de evitar prejuízos nos negócios, Godofredo com ajuda dos amigos, aos poucos retoma as relações profissionais com o sócio, mas continua separado de Ludovina e a desordem continua em sua vida doméstica. Na residência reina o caos, as baratas andam pelos pratos, as empregadas não cuidam dele e de seus pertences, (o candeeiro), e Godofredo perambula desconsolado pelos cômodos.

“(...) salvas-te do ridículo_ disse Medeiros. Manténs a firma intacta e unida... Livras tua mulher de má fama! Conservas um sócio inteligente e trabalhador. Então uma fadiga invadiu Godofredo... Veio-lhe um desejo de não pensar mais naquele desgosto, dormir tranquilo; e cedeu.” [3]

             Movido pela saudade e pelo desejo de ter Ludovina de volta, Godofredo decide recuperar esposa e sua antiga posição de bem-estar. Assim, em um encontro oportuno, pede a Ludovina que vá a casa dele para acender o candeeiro, que desde que ela saíra ninguém mais havia acendido. Essa, pronta para aceitar a reconciliação, atende imediatamente ao pedido. Ludovina é conduzida pelo ex-marido até o quarto para que veja o desleixo em que se encontra a sua casa. Não resistindo à presença da esposa tão perto de si, Godofredo toma-a em seus braços. “arrastou-a para a alcova do lavatório, e ali no escuro, violentamente, freneticamente, beijou-a pelos olhos pelos cabelos, pelo chapéu, fartando-se da doçura da sua pele.” [4] o casal vive então uma nova lua de mel em Sintra. De volta ao lar, Ludovina traz ao marido, a paz e o conforto que ele havia perdido. Aos poucos Alves recompõe sua vida comercial e matrimonial. 

“(...) Tu ficas, amor, nunca mais nos separam. Ela consentiu, num beijo. (...) então, outra vez, a vida de Godofredo foi calma e feliz. Na casa de São Bento entrara de novo a ordem e a alegria; os ovos ao almoço já não pareciam crus ou duros; e a todo o momento a voz dela banhava de alegria o seu coração.”[5]

            Contraria a uma atitude que se espera de um marido traído na sociedade portuguesa do século XXI, o autor traz através do personagem protagonista a desconstrução da idéia de adultério, e faz de forma irônica, uma critica a postura de uma sociedade machista, dando à trama um desfecho que tem como finalidade diminuir o orgulho masculino e a falsa moralidade portuguesa desse período. Assim, ao longo de nove capítulos um enredo composto de elementos primordiais para aquilo que seria uma catástrofe acaba se transformando em uma história cômica, um mosaico de caricaturas que representam a realidade da sociedade portuguesa que vive de aparências.


Enredo II
Edson de Paula e Silva Júnior[6]

Eça de Queirós, um dos maiores expoentes do realismo português, passara grande parte de sua trajetória literária a desvelar para uma sociedade alienada e tolhida de perspectiva crítica as mazelas que a constituem como tal, realizando um ato reflexivo em que, partindo do lapso espaço-temporal em que vivera, lança novos olhares acerca da sociedade e intenta galgar transformações reais e concretas que representasse novas oportunidades para o povo em geral.
A Europa no séc. XIX passava por um processo de intensa efervescência científica, artística e intelectual, advinda das repercussões do séc. XVIII e do alcance da Revolução Francesa. Portugal, no entanto, cultivava ainda um ideário pastoril, clerical e mercantilista, incongruente quanto às reverberações oferecidas pela ascensão burguesa e a instituição o liberalismo econômico, fatores estes que implicavam numa intensa crise em quase todos os setores sociais. É contra esta estagnação portuguesa que a Geração de 70, formada por nomes como Antero de Quental e Eça de Queirós, influenciados que estavam pela produção intelectual francesa como o cientificismo, o Positivismo, de Comte; o Determinismo, de Taine; o Evolucionismo, proposto por Darwin; o anticlericalismo, de Renan; bem como o não menos importante Socialismo Reformista, de Proudhon, engendra as perspectivas de sua postura intelectual.
Particularmente, na obra “Alves e Cia”, Eça de Queiroz utiliza-se da trama ficcional para efetuar uma mimesis com a realidade portuguesa, onde a sociedade da época pudesse identificar e correlacionar à representação apresentada pelo autor com o dia-a-dia, com o convívio real das pessoas reais, em contraponto ao ideal metafísico e longínquo apregoado pelos românticos. Na novela em questão o autor apresenta uma exemplar família portuguesa do séc. XIX constituída por Godofredo Alves e Ludovina, burguesa, próspera e de conduta ilibada, sendo que esta prosperidade é proveniente da sociedade comercial que a família estabelece com o jovem astuto e intrépido, denominado de Machado. A narrativa explora exatamente o contraste entre o mundo particular do Alves frente à inserção de exterioridades compostas precipuamente pelo outro, encarnado aqui pela figura de Machado, que demoniza e desconstrói a harmonia da família.
Percebe-se na obra que o autor, através da representação, transcende o microcosmo da família para a cosmovisão da sociedade portuguesa como um todo, demonstrando a falência dos ideais frente a um mundo cada vez mais rápido e árduo. Era neste mundo que um Portugal do final do sec. XIX, pautado nas grandes navegações e no colonialismo, ainda não conseguira sobressair-se, motivo pelo qual, Eça de Queirós e a Geração de 70, pretendiam, através de sua arte e de sua política, promover a atualização da mentalidade portuguesa.


Análise das personagens
 Taíse Mergulhão Franca[7]

As personagens de Alves & Cia, o desfecho de suas decisões refletem o ideal de solidez, de modernidade do século XIX, que vai se apoiar na família, vista como um sustentáculo da sociedade e do equilíbrio econômico.
O contexto da obra é o período em que muitos homens importantes do país, dos quais Eça de Queiroz faz parte, se mobilizam e se engajam nas questões sociais, artísticas e econômicas do país. É necessário fazer com que se perceba o atraso que Portugal apresenta em muitos aspectos se comparado com outros países da Europa, como na corrida pela modernização, industrialização e progresso nos negócios.
Procura-se delinear um novo modelo da estrutura familiar, calcada em valores práticos e reais e não nos devaneios românticos e desestruturantes representados na figura de Ludovina (Lulu), personagem semelhante à Luísa do Primo Basílio, que enfraquece seu caráter e espírito no ócio, lendo romances românticos, desejando vivenciar as emoções das personagens lidas e desviando o seu dever de mulher, de cuidar da casa e do esposo. Porem, diferentemente de o Primo Basílio, de conteúdo mais dramático, em Alves & Cia, escrito já numa fase da carreira do escritor em que a crítica ao romantismo se faz de forma mais amena e de outra forma. Com acentuado senso de humor, Eça continua a fazer sua crítica à sociedade portuguesa, principalmente na figura dolente de Lulu, aos valores superficiais e fúteis, nas relações sustentadas pela conveniência e vantagens materiais a exemplo de neto, pai de lulu, que só visa ao interesse próprio.
Os protagonistas formam o triângulo amoroso, Godofredo, Ludovina e Machado. Godofredo é uma espécie de herói, homem trabalhador e próspero negociante encarna os valores e qualidades que o novo tempo, o realismo propaga. Godofredo é o retrato desse homem de sucesso, vive um momento de aparente satisfação na vida familiar com a sua doce Lulu e conta com o talento de seu amigo e sócio, Machado, sujeito caracterizado na narrativa como de ótima lábia para conquistar clientes e amores passageiros. Entretanto, mesmo sentindo-se feliz, Godofredo percebe que Lulu apresenta um comportamento diferente nos últimos tempos, “uma pontinha de nervos” e chega até pensar que a esposa está grávida. Entretanto, Ludovina apenas se sente entediada pela monotonia da vida conjugal, enlevada pelos amores românticos e arrebatadores dos romances que lê, Lulu passa a receber a visita do amigo de seu esposo, Machado, mestre em conquistar mulheres.
Godofredo é a personagem mais inquietante da história, sem dúvida. Godofredo na narrativa é o protagonista/herói, Eça nos apresenta um personagem que podemos classificar de redondo, uma vez que durante o texto percebemos um Godofredo que vai além da caracterização física, também seu pensamento ideológico, seus medos, seus aspectos morais. Ao longo do livro pode-se perceber que embora magoado, o seu sentimento pelo amigo oscila entre a raiva e a compaixão. “Machado que tinha a face contraída, com uma expressão de ansiedade, cerrou os olhos, respirou livremente. Esperava uma violência, alguma coisa terrível, e aquela moderação, aquele gemido triste, duma amizade traída, espantou-o, quase o impressionou... Nesse momento desejava poder lançar-se nos braços do sócio...” [8]. Através dele, de seus medos, inseguranças, no seu dilema em deixar a suposta esposa adúltera ou perdoá-la, Eça traz para o leitor a complexidade que orientam as ações humanas. Porem, o modo de fazê-lo não é de tom dramático de sua outra obra, O Primo Basílio e em Madame Bovary, de Gustavo Flaubert em que o enredo de ambas são semelhantes e o desfecho é trágico. Em Godofredo, sentimos a explosão inicial da revolta pela traição, que gradativamente vai cedendo espaço para a preocupação sobre o que os outros vão pensar. Um dado relevante que o autor também nos mostra com essa personagem é como uma mesma situação pode ser vista de várias maneiras e pode-se escolher a que for mais cômoda. “Então pensou em tudo que dissera o Nunes ao Carvalho: era a primeira vez que o Machado a abraçava, por brincadeira. E se isto fosse verdade? Também ela lhe dissera, num grito de dor: era a primeira vez. Podia ser bem apenas uma leviandade, um galanteio, o que os ingleses chamam uma flirtation”. A estabilidade no casamento para Godofredo é essencial para o andamento de seus negócios, afinal ele precisa de uma mulher que cuide dele, da sua casa, suas roupas e de um excelente sócio como braço direito. A isso soma-se que Godofredo nutre sincera amizade pelo amigo e amor por Ludovina e vice-versa. Por toda essa complexidade que o autor retrata Godofredo que, pode-se afirmar ser ele uma personagem redonda.
Ludovina já não possui tanto essa riqueza de caracterização pelo menos no plano psicológico. Mas ainda assim também é uma personagem redonda. Há uma descrição física e também de sua origem social. Na personagem Ludovina, Eça, ainda que de forma leve, faz uma crítica às mulheres da época, que na maioria restringiam suas perspectivas de vida a um casamento feito por conveniência e por falta de opção como percebe-se num trecho o pensamento de Lulu “... E na sombra Ludovina, calada, como esmagada diante da existência que agora a esperava, os incômodos, a má comida, o gênio do pai, a autoridade da crida na casa, tudo o que a esperava e tudo o que perdera e amaldiçoava a infelicidade de ter caído assim nos braços dum sujeito que ela não amava, de quem não recebia prazer, levada àquilo sem saber porquê, por tolice, por não ter que fazer, nem ela sabia por quê”. Todo esse período longe de Godofredo é fundamental para que, ela se dê conta do “mau negócio” que fizera ao dar ouvidos a prosa romântica de Machado. Ludovina é fraca, joga a culpa em Machado ao ser questionada pelo marido, manipulável, ao deixar seu pai administrar a mesada que Godofredo lhe dera. Entretanto, se comparada às outras duas personagens femininas citadas, o caráter de Ludovina possui menos desvios.
Machado é o antagonista da estória e também uma personagem redonda, pela variedade de informações que o narrador nos informa sobre esse galanteador de mulheres. Mesmo se sentindo um pouco culpado pela situação, a sua postura e resposta é mais racional e segura quando seu amigo godofredo lhe procura para um acerto de contas com a proposta de um suicídio à sorte: “Eu estou pronto a lhe dar todas as reparações, e com todo o meu sangue... Mas há-de ser dum modo sensato, regular, com quatro testemunhas, à espada ou à pistola, como quiser, a que distância quiser, um duelo de morte, tudo o que quiser. Estou às suas ordens. Hoje todo o dia, amanhã todo o dia,.lá espero, em minha casa. Mas com ideias de doido não me entendo. E não temos mais que conversar...”[9]
O restante das personagens são secundárias: Neto, o pai de Lulu, sua irmã Teresinha, a cozinheira Joana, a criada Margarida,. Os amigos de Godofredo, Carvalho, Teles Medeiros, Nunes Vidal e Alberto Cunha. Destes o que mais temos informações é o pai de Lulu, ao contrário dos demais que, estão mais para personagens planas, é o personagem mais bem caracterizado após os protagonistas. Temos uma imagem física “Era um homenzarrão, que fora nos seus tempos belo homem, e conservava ainda um bom perfil, a que a extrema palidez dava uma finura e distinção. Sobre a calva duas repas de cabelo... bigode cortado....e seus menores movimentos tinham tanto uma afetação de dignidade, e de seriedade...”   e uma descrição da sua personalidade quando aproveita a situação conflituosa instalada no matrimônio da filha em proveito próprio : “...a noite estava abafada, e Neto dirigiu-se à casa devagar, levando o chapéu na mão, calculando as despesas da Ericeira, contente consigo. Os banhos iam-lhe fazer bem. Com cinquenta mil réis por mês, da Ludovina, podia-se estar com conforto: e, como não devia aparecer, nem havia toilettes a fazer, ainda se metia dinheiro no bolso” [10]  .
Nas outras personagens secundárias citadas, o narrador não tem um aprofundamento que se percebe em Neto. No geral são amigos bem intencionados em ajudar Godofredo, ainda que no íntimo pareca haver um receio nas possíveis consequências nesse apoio. Há um diálogo na estória em que os argumentos dos amigos Medeiros e Carvalho para a conciliação do casal, sintetizam o pensamento racional vigente então:
“-Tapas assim a boca do mundo – disse o Carvalho.
-Salvas-te do ridículo – disse o Medeiros.
-Manténs a firma intacta e unida...
-Conservas um sócio inteligente e trabalhador.
-E talvez um amigo!” [11]  .

Após alguns anos Godofredo refletindo sobre o episódio, confirma consigo o quanto ter seguido esse conselhos foram importantes para a sua felicidade numa frase simples, “Que coisa pudente é a prudência!” [12]
Tempo: Cronológico e Linear.

Luciana Oliveira Silva Santos Saraiva [13]

O tempo cronológico da narrativa “Alves e Cia” é linear, os acontecimentos vêm na sequência de dia, mês e ano, resumidos em presente e futuro. Primeiro acontece um fato, depois outro, cronologicamente narrados.

“Nessa manhã, Godofredo da C. Alves, encalmado soprando de ter vindo do Terreiro do Paço quase a correr, abria o batente de baetão verde, do seu escritório num entressolo da Rua Douradores, quando o relógio de parede por cima da carteira do guarda-livros batia duas horas...” [14].

   Alves, homem calvo de trinta e seis anos, em seu gabinete, sem a companhia do seu sócio o Sr. Machado, de bigodes claros, vinte e seis anos, é surpreendido pelo guarda-livros que o avisa da reunião do dia nove. No mesmo instante ele se lembra que tal data é a do aniversario do seu  casamento. Alves por ser um homem romântico, planeja todos os preparativos, e chega à conclusão de que esse é um dia especial e que não pode passar em branco.   
“-Hoje é a reunião da Transtagana. Alves teve então como uma surpresa: - Então hoje são nove? - Hoje são nove. Mas é que a ideia da reunião anual da Transtagana trazia-lhe bruscamente a lembrança de que aquele era o aniversário do seu casamento. Durante dois anos dos primeiros anos, aquele fora o um dia de festa íntima, com a família...” [15].

“Depois do terceiro aniversário, que viera nos primeiros anos do luto de sua sogra, a casa estava ainda triste... Lulu ainda chorava, e agora, este dia passava, estava quase passado...” [16].
Godofredo decide correr e avisar a sua digníssima esposa a grande data. Então decidiu correr até a Rua de São Bento, para lembrá-la. Não sabendo ele da surpresa que iria ter ao chegar em casa, segue entusiasmado passando em lugares onde possa comprar algo que surpreenderia sua amada. Quando parecia está bem na vida de Alves, o inesperado acontece:

“Ele chegou em casa, e  percebeu que ela estava lá, espreitou. E o que viu Santo Deus! Deixou-o petrificado, sem respiração, todo o sangue na cabeça, e uma dor viva no coração, que quase o deitou por terra.. Lulu de Rob de chambre branco encostava-se, abandonada, sobre o ombro de um homem, que lhe passava a mão pela cintura, e sorria,. E o homem era Machado...” [17]


 Perturbado com a surpresa, se retira, e machado foge da sala. Alves expulsa Lulu para casa do seu pai (que recebe a noticia feliz com a pensão que irá receber junto).
“- O futuro a Deus pertence- disse Neto. – agora concordo que é melhor que vocês estejam separados por algum tempo...” [18]. Diante dos conflitos que aflige o personagem Godofredo, só lhe vem a mente um duelo, onde ele e Machado tiraria a sorte de quem suicidaria, provocando o riso do Machado.


Espaço 
Paulo Eduardo Alves de Sousa[19]

Em Alves & Cia, de Eça de Queiroz, o espaço onde se passa à narrativa, em comparação com outras obras, é bem delimitado. Temos como um espaço maior, a cidade onde tal estória é narrada: Lisboa a capital portuguesa, no final do século XIX. Em “O melhor meio de evitar o escândalo era sair de Lisboa” [20], temos a constatação do local.
Delimitando mais o espaço da obra, pois Lisboa ainda é muito grande como espaço para essa narrativa, temos três lugares principais, onde, de fato, a narrativa se desenrolou. Estes lugares são: O escritório de nome Alves & Cia que era partilhado por Godofredo e seu amigo Machado, sendo os dois sócios da empresa, a mesma localizada na Rua dos Douradores; a casa de Godofredo e sua esposa Ludovina – carinhosamente chamada de Lulu, localizada na Rua São Bento; e a casa do sogro de Godofredo – Neto, que era localizada no mesmo bairro.
Como referência para localização de tais prédios, temos as seguintes passagens do livro dispostas na mesma ordem da enumeração dos locais acima: “Abria o batente de baetão verde, do seu escritório num entressolo da Rua dos Douradores” [21]; “Estava a Rua de São Bento, alguns passos antes de sua casa” [22], “À porta da mercearia defronte, felizmente estava um galego que, às vezes lhe fazia recados – muitas vezes para a casa do sogro (...). E como conhecia a probidade daquele galego, encanecido no serviço do bairro...” [23].
Quanto ao espaço, temos para do escritório Alves & Cia: “Os tetos baixos do entressolo davam uma sonoridade dolente, cava” [24] e “Empurrando outro batente verde, descendo dois degraus – porque naquele entressolo os pavimentos eram de níveis diferentes, penetrou enfim no seu gabinete” [25]. Para a casa de Godofredo e Ludovina, temos: “Entrou em seu portal. Era uma casa de dois andares, pintada de azul, apertada entre dois grandes prédios; ele ocupava o primeiro andar...” [26] e “A primeira sala era a de jantar: e para ali comunicavam, por duas portas de reposteiros, o boudoir dela e a sala de visitas.” [27]. E para a casa de Neto, o sogro de Godofredo: “Viu o homem entrar no prédio do sogro, um prédio de quatro andares, enxovalhado, com uma loja de trastes velhos por baixo. Neto morava lá no alto, onde havia um vaso na varanda” [28].
Além desses lugares por nós delimitados a partir do exposto na própria obra, temos algumas ruas e pontos de referência que ligarão o trajeto entre os três lugares definidos anteriormente. Como exemplo, temos alguns caminhos percorridos por Godofredo, de casa ao escritório e vice versa: “Soprando de ter vindo do Terreiro do Paço” [29], “Enquanto subia, na calma ardente sob o seu guarda-sol, a Rua Nova do Carmo” [30], “conversava à porta do Bertrand” [31] e “E desceu enfim a Calçada do Correio” [32]. Ainda mais, temos o lugar onde Ludovina e sua família vai passar o verão: “E a estação favorecia-os, era tempo de ir para banhos, ninguém se admiraria que ele fosse por exemplo para a Ericeira levando a sua filha casada.” [33].
A partir de tal análise, temos a certeza que a estória se passa em um espaço urbano – Lisboa, espaço fechado – porque mesmo percorrendo alguns lugares da cidade, tais acontecimentos ficaram vedados em lugares fechados, que eram a casa de Godofredo, a casa do pai de Ludovina e o escritório ao qual Godofredo era associado. Além disso, a afirmação de que o espaço era fechado é feita no momento em que o próprio Godofredo teme que a população saiba de tal ato, desmoralizando-o e, consequentemente, o obrigando-o a tomar uma providencia para a retratação de sua honra, que seria o tal duelo.


Ambiente 
Ana Lúcia Saturnino e Silva [34]

Na obra analisada, o ambiente é caracterizado pelo conceito de aproximação entre tempo e espaço e acrescido de um clima, onde características socioeconômicas, morais, psicológicas e religiosas irão influenciar os personagens, alterando aspectos pessoais dos personagens nele inseridos.
Os valores sociais quase sempre estão envolvidos, dificilmente aparecendo em isolado. Em:

“E era sempre assim quando o seu negócio de comissões para o Ultramar o levava lá: apesar de ter um primo de sua mulher, diretor- geral, de escorregar de vez em quando uma placa na mão dos contínuos, de ter descontado a dois segundos oficiais letras de favor, eram sempre as mesmas dormentes esperas pelo ministro, um folhear eterno de papelada, hesitações, demoras, todo um trabalho irregular, rangente e desconjuntado de velha maquina meio desaparafusada.”[35]

Podemos perceber, nesse trecho, que o personagem, mesmo possuindo certo poder aquisitivo e um nome reconhecido, o mesmo encontra problemas e dificuldades para conseguir certas facilidades. Oferece suborno para agilizar o processo de liberação de suas mercadorias, mas mesmo assim, espera como quem nada tivesse “oferecido”. Deixando as características socioeconômicas evidenciadas, podemos partir para a análise das questões religiosas presentes na obra. Em:

“De resto, apesar dos seus princípios severos de rapaz educado a sério nos jesuítas, cheio de boas crenças, e que nunca antes de casado tivera uma ligação, ou um amor irregular, ele sentia por estas “tolices” do Machado uma vaga e simpática indulgência. Em primeiro lugar por amizade: conhecera o Machado pequeno, e bonito como um querubim; e nunca deixara de impressionar vagamente a boa família do Machado, o seu tio conde de Vilar, as suas relações na sociedade...” [36]

O Machado fora criado por jesuítas, e mesmo assim, os seus princípios morais e religiosos foram deixados de lado, como se ele os apartasse de si naquele momento e só os usasse quando lhe fossem convenientes. Ele comportara-se como um verdadeiro hipócrita ao trair tais princípios, traindo também o seu sócio e amigo. Isso pode ser complementado no seguinte fragmento:

“E o que viu, Santo Deus, deixou-o petrificado, sem respiração, todo o sangue na cabeça, e uma dor viva no coração, que quase o deitou por terra... No canapé de damasco amarelo, diante duma mesinha, com uma garrafa de vinho, Lulu, de robe de chambe branco, encostava-se, abandonada sobre o ombro dum homem, que lhe passava o braço pela cintura, e sorria, contemplando o perfil com um olhar afogado em languidez. Tinha o colete desabotoado e o home era Machado.”[37]


Além de denotar a hipocrisia do personagem Machado, no que diz respeito à moral e aos costumes religiosos, no trecho acima, temos a presença de um psicológico devastado ao presenciar tal cena, que é o de Godofredo. Ter visto tal cena provocou tamanha reviravolta no personagem, que queria tomar uma atitude para resgatar a sua honra, mas que tal ato não fizesse alarde, provocando um pensamento afogado na loucura de um homem traído. No fragmento seguinte podemos comprovar tal afirmação:

“E então, destas duas absurdas imaginações que se balançavam no espírito perturbado – o seu suicídio, o suicídio do outro –, uma ideia surgiu, como faísca viva de entre duas nuvens pesadas, uma ideia nítida em todos os seus detalhes, que lhe pareceu justa, realizável, a mais conveniente, a única digna...” [38]


Alves estava tão abalado com o acontecido, mas o olhar do outro ainda tinha mais importância do que os seus princípios. Antes ele ficar magoado e sofrer sem os outros saberem que o escândalo se espalhar na sociedade portuguesa. Primeiro, por ter um nome a zelar. Depois, por estar começando um negócio onde o próprio sócio era o responsável por tal infâmia. Daquilo não poderia sair um final feliz.
Assim, Alves se conforma, com o medo de ficar sozinho e por muito amar a Ludovina e releva tal acontecimento, não tocando no assunto, como se nada houvesse acontecido. “Godofredo ansiava – uma simples palavra: fazer as pazes. Porque o desejava ardentemente. Somente não queria dar o primeiro passo, por orgulho, por dignidade, por um resto amuo e de ciúme.” [39]


Tipo de narrador: Narrador em terceira pessoa: observador e onisciente 
Ludemberg Pereira Dantas[40]

            Trazendo uma novela com um triangulo amoroso, o escritor Eça de Queiroz segue com uma narrativa em que o narrador se apresenta em terceira pessoa, classificado como narrador observador, ao momento em que não apenas narra o que se passa com os personagens, mas também o que sentem, caracterizando-o assim, como um narrador onisciente, onde narra os fatos sabendo de toda a história.

“Nessa manhã, Godofredo da Conceição Alves, encalmado, soprando de ter vindo do Terreiro do Paço quase a correr, abria o batente de baetão verde, do seu escritório num entressolo da rua dos Douradores, quando o relógio de parede pôr cima da carteira do guarda-livros batia duas horas, naquele tom, cavo, a que os tetos baixos do entressolo davam uma sonoridade dolente, e cava.(...)” [41].

Assim, o narrador apresenta seu primeiro personagem, Godofredo (Alves), que viverá uma trajetória de companheirismo, amizade e relações inesperadas, com Machado, segundo personagem da obra.

“(...) – Machado conservava para com ele uma certa reserva, um vago respeito, nunca entre eles se estabelecera uma verdadeira camaradagem de homens. Também Alves não lhe dizia nada. O “negociozito” não pertencia aos interesses da firma. Ele não tinha nada com isso. Apesar daquelas ausências repetidas, Machado continuava a ser muito trabalhador, amarrado à carteira dez e doze horas em dias de paquete, ativo, fino, vivendo todo para a prosperidade da firma: e Alves não podia deixar de confessar que se na firma ele representava a boa conduta, a honestidade doméstica, a vida regular, a seriedade de costumes – Machado representava a finura comercial, a energia, a decisão, as largas ideias, o  faro do negócio... Ele, Godofredo, fora sempre de natureza indolente, como seu pai, que, pôr gosto, se movia duma sala para outra, numa cadeira de rodas...” [42]

            É perceptível a imensa capacidade em que o narrador observa os personagens de forma detalhista, trazendo suas identidades para o leitor, com uma leitura do que se pode esperar em um momento próximo da história.

“(...) É que, no fundo, aquele homem de trinta e sete anos, já um pouco calvo, apesar do seu bigode preto, era um pouco romanesco. Herdara aquilo da sua mãe, uma senhora magra, que tocava harpa, passava a vida a ler versos. Fora ela que lhe dera aquele nome ridículo de Godofredo. Mais tarde todo esse sentimentalismo que durante longos anos se dera às coisas literárias, aos luares, aos amores de romance, se voltara para Deus: tinha tido os começos duma monomania religiosa; a leitora de Lamartine tornara-se uma devota maníaca do Senhor dos Passos; fora ela que então o fizera educar nos jesuítas – e os seus últimos dias foram um longo terror do inferno. (...)” [43].

            No momento em que o narrador apresenta a novela com indícios reveladores de seus personagens, ou não, é despertada a atenção do leitor quando já conheceu características necessárias para “possibilitar” a continuidade de ações surpreendentes.

“Ela, sentada ainda, levantou vivamente o rosto. Um clarão luziu-lhe nos olhos, através das lágrimas. E, sofregamente, como quem se agarra para não cair, acusou o Machado. Fora ele, ele só tivera a culpa. Aquilo começara havia quatro meses, quando ele tinha deixado a D. Maria. E então começara com ela: e falava-lhe, e tentava-lhe, e escrevia-lhe e aparecia lá quando Godofredo estava no escritório, e um dia, enfim, quase à força...” [44]

            A relação amigável, profissional entre dois colegas de trabalho, sócios, é levada por indícios de desconfiança, quando por trás, tem-se a esposa de um e apresentada (amiga) do outro. Quando então, aquela que era sua companheira, e aquele seu parceiro, os levam a despertar uma atenção necessária, de comportamentos e provas de uma possível traição, com possiblidades de um triângulo amoroso.

“Voltou ao gabinete. E aí uma por uma leu as cartas. Não havia nada mais imbecil: era a perpétua repetição de frases empoladas, e feitas: ‘Meu anjo adorado, por que não fez Deus que nos encontrássemos há mais tempo?’... ‘Meu amor, pensas tu naquela que daria a vida por ti?’ E mesmo isto: ‘Ai, quem me dera ter um filho teu...’.” [45] 

            Quando não mais se matem sobre controle, onde provas são claras de uma possível traição, é despertado toda uma fúria, angústia, em busca de respostas para total falta de consideração e respeito, entre aquela a quem lhe deu votos de confiança amorosa e aquele a qual passou a ter apoio profissional, tudo indo por água à baixo, seja na moral, como também nos negócios. Mas e agora, o que fazer?

“E a esta ideia, do outro a resolução voltara-lhe, uma energia, vaga, ainda bastante para que se erguesse, continuasse o seu caminho... Sim, o outro ficaria bem contente, se ele desaparecesse essa noite. Sentiria um completo alívio. Um ou dois dias mostrar-se-ia pesaroso, talvez se sentisse realmente perturbado. Mas depois continuaria a vida: a firma seria Machado & Cia.; ele continuaria a ter amantes, a ir ao teatro, a pôr cera moustache no bigode. Isto não era justo. Fora o outro que causara a ruína duma bela felicidade, era ele que devia morrer. Era o Machado que devia desaparecer; era ele que devia matar. Isso seria mais justo. E as coisas seriam o contrário: a firma continuaria a ser Alves & Cia., e ele poderia mais tarde reconciliar-se com sua mulher, e a vida seguiria, resignada e calma. Era assim que devia ser. Deus, olhando para um, olhando para o outro, medindo os méritos e as culpas de cada um, devia fazer desaparecer o Machado, inspirar-lhe a ele a ideia do suicídio.” [46]

            E onde estaria o erro? Será que na total confiança de Alves para com a companheira e o sócio? Trabalho excessivo? Falta de atenção? Desejos? Inveja? Carência? Até que ponto deve se permitir e justificar uma traição amorosa? O que diria a figura de um pai, que cria sua filha e entrega para o casamento, e no certo momento de conflitos, ele é procurado pelo genro?

“Mas Neto conservava agora o seu ar calmo e refletido. E com uma voz tranquila falou dos seus sentimentos. Ele sempre se tivera pôr bom pai; e, se não fossem as circunstâncias em que estava, não teria aceitado mesada para sua filha... Não teria exigido nada. Levava-a para casa, lá viveriam todos, e acabou-se... E tudo o que fosse necessário para fazer cessar o escândalo fá-lo-ia à sua conta.” [47]

            Uma reviravolta toma conta de todo uma traição amorosa. Casal, sócio, pai da esposa, moral, negócios. Tudo em jogo por um único motivo: quem errou? Como fica então a imagem da mulher, que tem o apoio do marido e procura satisfazer-se amorosamente fora de casa?

“(...) Uma tranquilidade honesta envolvia a casa; e na sombra Ludovina, calada, como esmagada diante da existência que agora a esperava, os incômodos, a má comida, o gênio do pai, a autoridade da criada na casa, tudo o que a esperava e tudo o que perdera, e amaldiçoava a sua infelicidade de ter caído assim nos braços dum sujeito que ela não amava, de quem não recebia prazer, levada àquilo sem saber pôr quê, pôr tolice, pôr não ter que fazer, nem ela sabia pôr que.” [48]

            Não somente ter que aceitar a dor da traição conjugal, como também se deparar diante uma situação constrangedora, uma falta de consideração para com toda uma vida de convivência, de apoio, de objetivos e metas. Como fica a pessoa de Godofredo perante a traição de Machado? O amigo da infância, das brincadeiras, dos negócios.
“(...) Conhecera-o de pequeno; fora ele que o protegera no seu começo da vida; tinha-o feito seu sócio, seu amigo, quase seu irmão. Abria-lhe as portas de sua casa, recebia-o lá, como um irmão.” [49]

            Não seria justo uma traição dessas. Um amigo/irmão querer ao mesmo tempo espaço nos negócios e até no amor. Seria isso inveja? Seria a falta de controle emocional diante atração mútua? Tudo se resulta em um final de surpresas. E como fica Alves? O que fazer? Como enxergar Ludovina? O que ela pode responder diante tanto descaso?

“(...) E citou frases, exibiu toda a tolice, todo o descaro de Ludovina, tomado agora apenas do desejo de vencer bem o Carvalho que sua mulher era uma prostituta.” [50]

            Uma reputação em jogo. Uma moral. Um casamento. Tudo que um dia foi planejado para ser feliz, dar certo, é atropelado diante a uma insensibilidade. A traição, o ar de suspeitas, dúvidas quanto a quem confiar. Alves, não tem mais nem a mulher que a amou e nem o amigo o qual confiou.

“(...) Sentiu-se pertencendo a essa tribo grotesca de maridos traídos, que não podiam entrar em casa sem que, de dentro, escapasse um amante. (...).” [51]

Como seria os dias do homem traído? A narrativa parte do pressuposto de que um final feliz não seria tão bem esperado. As consequências de toda essa traição teria que vir a tona e assim, o destino dos personagens também deveria ser esclarecedores.

“Depois foi pior quando começou o inverno. Novembro foi muito chuvoso Ele voltava do escritório, e, depois do jantar ordinário que comia à pressa, ficava, com os pés nos chinelos, aborrecendo-se e errando da sala para o quarto. Nenhuma cadeira, por mais confortável, lhe dava a satisfação de repouso e de bem-estar; e os seus livros queridos pareciam ter perdido subitamente todo o interesse, desde que não a sentia ao seu lado, costurando à mesma luz a que ele lia. E um pudor, um escrúpulo, uma vaga vergonha impediam-no de ir aos teatros.” [52]

Contudo, até aonde vai a moral de quem trai e de quem é traído? Será que não é preciso um esclarecimento? Uma narrativa de uma novela que, ao mesmo tempo em que conta uma história traz elementos sucintos de seus personagens. Um narrador observador que afirma os sentimentos, fazendo-se conhecedor dos fatos. “(...) a palavra pôr que Godofredo ansiava – uma simples palavra: fazer as pazes.[53]. Será esse o fim tão merecedor de Godofredo: perdoar a traição?

“NO DIA SEGUINTE, num momento de enternecimento, querendo dar à sua felicidade um meio mais poético – e como o tempo estava adorável -, Godofredo propôs o irem estar uns dias a Sintra. E aí foi uma lua-de-mel. Estavam na Lawrence, tinham um pequeno salão para eles sós; levantavam-se tarde, Godofredo quis champagne ao jantar, e beijavam-se às escondidas debaixo das árvores. E Godofredo não a deixava um instante, ávido de gozar de novo aquela intimidade, que ele julgava perdida, sentindo um prazer infinito em a ver apertar o colete, encontrar um chambre dela sobre uma cadeira, ou assistir-lhe ao penteado.” [54]

            Assim é decidido: Godofredo perdoa Ludovina e Machado. Uma nova história é iniciada. Novos momentos, novas realizações. Novas descobertas. Uma narrativa que leva o leitor a se envolver em todo o percurso, com uma história que passa por transformações inesperadas e um final surpreendente.

“E os meses passaram, depois os anos. A firma Alves e Cia. Crescia, enriquecia. O escritório, agora mais largo, mais rico, com seis caixeiros, era à esquina da rua da Prata. Godofredo estava mais calvo, Ludovina engordara: tinham carruagem; e no verão iam para Sintra. Depois Machado casou outra vez, com uma viúva, casamento inexplicável porque nem era bonita, nem rica; tinha apenas uns olhos extraordinários, muito negros, muito pestanudos, muito quebrados, a expirar de langor.” [55].

“Tinha estendido os braços à esposa culpada, ao amigo desleal, e, com este simples abraço, tornara para sempre a sua esposa um modelo, o seu amigo um coração irmão e fiel. E agora ali estavam todos juntos, lado a lado, honrados, serenos, ricos, felizes, envelhecendo de camaradagem no meio da riqueza e da paz.” [56]

            Tudo que pareceu ser um final sem conciliação, vem à tona com uma reaproximação, uma nova oportunidade, com grandes resultados. Afinal, não perdoar não foi a última decisão de Godofredo, até porque, tudo que enfrentou serviu de experiência para que mais adiante tomasse a atitude que lhe garantisse a continuidade do amor que conquistara durante a vida e da confiança que depositou no amigo e nos negócios.


[1] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. dmnazare@hotmail.com.
[2] QUEIROZ, 2008, p.20, 21.
[3] QUEIROZ, 2008, p. 87
[4] QUEIROZ, 2008, p. 100
[5] QUEIROZ, 2008, p. 100; 104.
[6] Edson de Paula e Silva Júnior, discente de Letras, 5º semestre.
[7] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. taisemergulhao1@hotmail.com.
[8] QUEIROZ, 2008, p. 57

[9] QUEIROZ, 2008, p. 60
[10] QUEIROZ, 2008, p. 48
[11] QUEIROZ, 2008, p. 87
[12] QUEIROZ, 2008, p. 114
[13] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. luciana.letras2009@hotmail.com.
[14] QUEIROZ, 2008, p. 09
[15] QUEIROZ, 2008, p. 15
[16] QUEIROZ, 2008, p. 16
[17] QUEIROZ, 2008, p. 21
[18] QUEIROZ, 2008, p. 47
[19] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. pauloe.sousa@hotmail.com.
[20] QUEIROZ, 2008, p. 46
[21] QUEIROZ, 2008, p. 09
[22] QUEIROZ, 2008, p. 19
[23] QUEIROZ, 2008, p. 31
[24] QUEIROZ, 2008, p. 09
[25] QUEIROZ, 2008, p. 11
[26] QUEIROZ, 2008, p. 19
[27] QUEIROZ, 2008, p. 20
[28] QUEIROZ, 2008, p. 31
[29] QUEIROZ, 2008, p. 09
[30] QUEIROZ, 2008, p. 18
[31] QUEIROZ, 2008, p. 19
[32] QUEIROZ, 2008, p. 19
[33] QUEIROZ, 2008, p. 46
[34] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. aluciasatur@hotmail.com.
[35] QUEIROZ, 2008, p. 09.
[36] QUEIROZ, 2008, p. 13, 14.
[37] QUEIROZ, 2008, p. 20, 21.
[38] QUEIROZ, 2008, p. 34, 35.
[39] QUEIROZ, 2008 p. 95.
[40] Discente do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. ludembergpereira@hotmail.com.
[41] QUEIROZ, 2008, p. 09
[42] QUEIROZ, 2008, p. 13
[43] QUEIROZ, 2008, p. 14
[44] QUEIROZ, 2008, p. 27
[45] QUEIROZ, 2008, p. 29
[46] QUEIROZ, 2008, p. 34
[47] QUEIROZ, 2008, p. 46
[48] QUEIROZ, 2008, p. 51
[49] QUEIROZ, 2008, p. 58
[50] QUEIROZ, 2008, p. 64
[51] QUEIROZ, 2008, p. 69
[52] QUEIROZ, 2008, p. 94
[53] QUEIROZ, 2008, p. 95
[54] QUEIROZ, 2008, p. 101
[55] QUEIROZ, 2008, p. 113
[56] QUEIROZ, 2008, p. 114, 115