domingo, 13 de janeiro de 2013

RESENHA: FERREIRA, Jerusa Pires. Cavalaria em cordel: o Passo das Águas Mortas. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1993.



RESENHA

FERREIRA, Jerusa Pires. Cavalaria em cordel: o Passo das Águas Mortas. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1993.

Josafá Alecrim de Almeida ¹
Ludemberg Pereira Dantas


 Jerusa Pires Ferreira é doutora e livre-docente pela Universidade de São Paulo. É autora de inúmeros artigos além de professora de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP. Começou sua carreira na Bahia, onde se graduou em Letras e se tornou mestre em História Social pela UFBA. Como ensaísta e tradutora é colaboradora da Folha de São Paulo e da Revista da USP, e publica regularmente em coletâneas de livros e revistas nacionais e internacionais. Suas pesquisas abrangem importantes campos de investigação como oralidade, memória, cultura midiática, conto popular, literatura de cordel, novela de cavalaria entre outros temas que concernem à literatura, às artes e à comunicação.
Em “Cavalaria em cordel: o Passo das Águas Mortas”, Jerusa apresenta uma linguagem minuciosa, fazendo referência a grande arte de se fazer literatura com a escrita do cordel. No título 1. Matéria Carolíngia ou do Cavaleiresco Épico, a autora segue com uma percepção admirável, apresentando uma sistematização sobre a matéria cavaleiresca na literatura popular do Nordeste.  Trazendo uma discussão sobre a ausência das novelas cultas ibéricas e seu ciclo carolíngio no sertão brasileiro, referindo-se ao período de Carlos Magno (grande imperador romano do Ocidente), precursor de conquistas, reforma educacional, administração, cultura, artes e Renascimento.
Com traços de uma literatura transformadora, o material citado é exemplo de referencia cultural, quando por assim dizer, traz a presença de Amadises e Clarimundos, junto à “alma portuguesa”. Assim, surge uma análise do dizer ficcional juntamente com a realidade, a ponto de se misturarem.
Rei Artur, uma figura lendária britânica também é referência de Jerusa. Presente em contos e poemas britânicos, o rei Artur aparece como um grande guerreiro que defende a Grã-Bretanha dos homens e inimigos sobrenaturais ou como uma figura fascinante do folclore. Uma figura marcante na criação deste tipo de literatura popular, que é o cordel.
Na medida em que surge a palavra, junto com ela seu signo linguístico, tem-se a necessidade de expressão. O texto, reunindo traços e marcas ideológicas, apresenta em seu corpo uma viagem em busca da imaginação. Fato verídico ou ficcional, a palavra vem para comunicar e assim, a linguagem não mais deixa de existir. A literatura culta e popular é exemplo da união de textos poéticos, reunindo prosa, retórica, valores, a todo um processo de crítica do Nordeste brasileiro.
O texto-cordel, na sua infinita análise, recebe uma complexa condição do narrador, consoante a traços de poeta e sua tarefa mágica de poetar. Zumthor (suíço), outro grande teórico lido por Ferreira, está presente no seu texto, quando chega para distinguir a obra literária da folclórica.
Na maioria das vezes a transposição prosa-verso, de textos folclóricos, apresenta de forma sintetizante, isso acontece também com os  contos populares, exemplo  do folheto Roldão no Leão de Ouro. Seja o poeta mais ou menos expressivo fielmente, seguem a uma intertextualidade, trazendo para suas produções, um trecho ou episódio ainda não explorado. Assim, preza-se e valoriza-se a arte de poetar. Valoriza-se a imaginação, a busca pela manifestação de uma inquietude, que através das palavras, florescem novos caminhos, novas perspectivas.
Outra questão importante levantada pela autora é o folheto versus matriz, em que ela traz a discussão sobre a criação do poeta popular, servilismo e o discurso matriarcal, dialogando-se com Cavalcante Proença, Ferreira apresenta um exemplo de folheto, As Traições de Galão para refletir sobre as transcrições da matriz, que embora haja um servilismo ou desenvolvimento servil, o texto ainda assim continua sendo criação. Dessa forma a autora apresenta uma necessidade de comparação ou confronto no qual ela chama de cotejo, compara o texto-matriz com o advento dos folhetos.
O texto matriz tem como característica uma continuidade cultural. Ligando presente a passado, fazendo mediação ao texto matriz e à intertextualidade, o poeta usa dessa continuidade para expressar suas emoções, dores, desejos, sonhos. Assim, criam-se depoimentos, trazendo uma poesia sertaneja. Uma literatura de cordel que encanta dar voz e liberta.
Outro fator importante a ser ressaltado, é o da oralidade, que nos remete a memória, a tradição oral, que aos poucos está sendo sujeitada ao texto escrito ou a própria matriz. Portanto, percebe-se que a produção popular está cada vez mais associada a poética dos folhetos.
A literatura de Cordel do Brasil centra-se na oralidade, cuja origem é rural e tem como matriz as narrativas pertencentes ao romanceiro Ibérico, “as formas-matriz dos versos da Literatura de Cordel são indubitavelmente de origem ibérica” (RUSSEINE, 1977, p.129), que nos faz lembrar a expressão “reconnaissance”.
O cordel relaciona com valores e crenças, assim também com outros discursos, seja da mídia, política, utiliza de recursos ideológicos para manifestar as visões de mundo. No gênero do cordel chama a atenção para estes recursos, que têm como característica aproximar os leitores para este universo de valores, que está sendo apresentado numa troca recíproca, para tanto estes recursos são de grandes significações para os discursos heterogêneos. 



¹ Discentes do Curso de Letras, turma 2009.2, Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. josafarts@hotmail.com, ludembergpereira@hotmail.com.

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