RESENHA
FERREIRA, Jerusa Pires. Cavalaria em cordel: o Passo das Águas
Mortas. 2ª ed. São Paulo: Hucitec, 1993.
Josafá Alecrim de Almeida ¹
Ludemberg Pereira Dantas
Jerusa Pires Ferreira é doutora e
livre-docente pela Universidade de São Paulo. É autora de inúmeros artigos além
de professora de pós-graduação em comunicação e semiótica da PUC-SP. Começou
sua carreira na Bahia, onde se graduou em Letras e se tornou mestre em História
Social pela UFBA. Como ensaísta e tradutora é colaboradora da Folha de São
Paulo e da Revista da USP, e publica regularmente em coletâneas de livros e
revistas nacionais e internacionais. Suas pesquisas abrangem importantes campos
de investigação como oralidade, memória, cultura midiática, conto popular,
literatura de cordel, novela de cavalaria entre outros temas que concernem à
literatura, às artes e à comunicação.
Em “Cavalaria em cordel: o
Passo das Águas Mortas”, Jerusa apresenta uma linguagem minuciosa, fazendo
referência a grande arte de se fazer literatura com a escrita do cordel. No
título 1. Matéria Carolíngia ou do
Cavaleiresco Épico, a autora segue com uma percepção admirável, apresentando
uma sistematização sobre a matéria cavaleiresca na literatura popular do
Nordeste. Trazendo uma discussão sobre a
ausência das novelas cultas ibéricas e seu ciclo carolíngio no sertão
brasileiro, referindo-se ao período de Carlos Magno (grande imperador romano do
Ocidente), precursor de conquistas, reforma educacional, administração,
cultura, artes e Renascimento.
Com traços de uma literatura transformadora, o material citado é exemplo
de referencia cultural, quando por assim dizer, traz a presença de Amadises e
Clarimundos, junto à “alma portuguesa”. Assim, surge uma análise do dizer
ficcional juntamente com a realidade, a ponto de se misturarem.
Rei Artur, uma figura lendária britânica também é referência de Jerusa. Presente
em contos e poemas britânicos, o rei Artur aparece como um grande guerreiro que
defende a Grã-Bretanha dos homens e inimigos sobrenaturais ou como uma figura
fascinante do folclore. Uma figura marcante na criação deste tipo de literatura
popular, que é o cordel.
Na medida em que surge a palavra, junto com ela seu signo linguístico,
tem-se a necessidade de expressão. O texto, reunindo traços e marcas
ideológicas, apresenta em seu corpo uma viagem em busca da imaginação. Fato
verídico ou ficcional, a palavra vem para comunicar e assim, a linguagem não
mais deixa de existir. A literatura culta e popular é exemplo da união de textos
poéticos, reunindo prosa, retórica, valores, a todo um processo de crítica do
Nordeste brasileiro.
O texto-cordel, na sua infinita análise, recebe uma complexa condição do
narrador, consoante a traços de poeta e sua tarefa mágica de poetar. Zumthor
(suíço), outro grande teórico lido por Ferreira, está presente no seu texto,
quando chega para distinguir a obra literária da folclórica.
Na maioria das vezes a transposição
prosa-verso, de textos folclóricos, apresenta de forma sintetizante, isso
acontece também com os contos populares, exemplo do folheto Roldão
no Leão de Ouro. Seja o poeta mais
ou menos expressivo fielmente, seguem a uma intertextualidade, trazendo para
suas produções, um trecho ou episódio ainda não explorado. Assim, preza-se e
valoriza-se a arte de poetar. Valoriza-se a imaginação, a busca pela
manifestação de uma inquietude, que através das palavras, florescem novos
caminhos, novas perspectivas.
Outra questão importante levantada pela autora é o folheto versus matriz,
em que ela traz a discussão sobre a criação do poeta popular, servilismo e o
discurso matriarcal, dialogando-se com Cavalcante Proença, Ferreira
apresenta um exemplo de folheto, As
Traições de Galão para refletir sobre as transcrições da matriz, que embora
haja um servilismo ou desenvolvimento servil, o texto ainda assim continua
sendo criação. Dessa forma a autora apresenta uma necessidade de comparação ou
confronto no qual ela chama de cotejo, compara o texto-matriz com o advento dos
folhetos.
O texto matriz tem como característica uma continuidade cultural. Ligando
presente a passado, fazendo mediação ao texto matriz e à intertextualidade, o
poeta usa dessa continuidade para expressar suas emoções, dores, desejos,
sonhos. Assim, criam-se depoimentos, trazendo uma poesia sertaneja. Uma
literatura de cordel que encanta dar voz e liberta.
Outro fator importante a ser ressaltado, é o da oralidade, que nos remete
a memória, a tradição oral, que aos poucos está sendo sujeitada ao texto
escrito ou a própria matriz. Portanto, percebe-se que a produção popular está cada
vez mais associada a poética dos folhetos.
A literatura de Cordel do Brasil centra-se na oralidade, cuja origem é
rural e tem como matriz as narrativas pertencentes ao romanceiro Ibérico, “as formas-matriz dos versos da Literatura
de Cordel são indubitavelmente de origem ibérica” (RUSSEINE, 1977, p.129), que
nos faz lembrar a expressão “reconnaissance”.
O cordel relaciona com valores e crenças, assim também
com outros discursos, seja da mídia, política, utiliza de recursos ideológicos
para manifestar as visões de mundo. No gênero do cordel chama a atenção para
estes recursos, que têm como característica aproximar os leitores para este
universo de valores, que está sendo apresentado numa troca recíproca, para
tanto estes recursos são de grandes significações para os discursos heterogêneos.
¹ Discentes do Curso de Letras, turma 2009.2,
Universidade do Estado da Bahia - Departamento de Ciências Humanas e
Tecnológicas - Campus XVI – Irecê – BA. josafarts@hotmail.com,
ludembergpereira@hotmail.com.
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