segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ENSAIO DO CONTO: As Marcas do Fogo (Aleilton Fonseca)


ENSAIO DO CONTO: As Marcas do Fogo (Aleilton Fonseca)

Ludemberg Pereira Dantas

Da construção de uma vida para o caminho da perda no amor

Aleilton Santana da Fonseca é um escritor baiano que nasceu em 21/07/1959 em Itamirim, na Bahia. Casado e pai de dois filhos, é poeta, ficcionista, ensaísta e professor universitário. Na adolescência, vivida em Ilhéus Bahia, Aleilton já começava a escrever e publicar seus primeiros textos em jornais. Nos estudos literários (leituras de poemas, crônicas e romances), no Ensino Médio, passa a se identificar mais ainda pela escrita. Em Salvador, vence três vezes o “Concurso Permanente de Contos”, sendo destaque em demais eventos universitários com diversas publicações, nascendo assim um novo e talentoso escritor baiano. Em 1979 forma-se em Letras pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), passando então até os dias atuais a atuar na área de literatura, com diversos trabalhos reconhecidos e de forte influência intelectual.
As marcas do fogo é um conto de 17 laudas de Aleilton que traz como cenário a cidade de Salvador. Um conto urbano, que conta a história e inquietação do jovem Marcos em busca do conhecimento de sua cidade:

“Andava a esmo pelas ruas, um viajante em sua própria terra. A cidade descortinava-se diante de seus passos desapressados, apresentava-se cheia de aspectos. Ele ia provando o sabor de cada vista: parava numa praça, observava o movimento, por um lapso encarava uma ou outra passante” (FONSECA, 2003, p. 75).

Assim, inicia-se um conto em que o escritor busca com que o leitor se debruce com a história de um jovem, que tendo nas ruas um refúgio, uma vontade de conhecer a si mesmo e aos lugares, chega a se deparar sempre com novos desafios e conhecimentos. Andar nas ruas, conhecendo praças, monumentos históricos, o ir e vir de pessoas leva Marcos a uma nova vontade: “Percebera em si um espaço a ser preenchido: depois de tantos passeios nos livros, queria estudar as ruas. Ele estava à procura de algo.” (FONSECA, 2003, p. 76).
            Afinal, o que será que reservava a Marcos todo esse desejo? Todo homem, passa direta ou indiretamente a se forma com o que ouve, vê e sente. Sendo Marcos um adolescente, que carregava consigo todo um encanto pelo andar nas ruas, por viver a cidade, passa a se descobrir a cada momento. Com sua rotina, Marcos se descobre um ser amante, amante de sua existência, mais vazio no amor. Andando pela cidade, o jovem percebe duas moças: “fixou-se numa delas, a morena e esguia. A moça o sintonizou, ambos se encararam. Desviaram-se do olhar recíproco, quase baixando a cabeça.” (FONSECA, 2003, p.77).
            Agora, o rapaz que antes vivia deparado com livros e com o reconhecimento de sua cidade, passa a se envolver amorosamente com uma paixão, essa a qual lhe leva a busca de novos encantos e estigmas. Até então não houve tanta aproximação entre Marcos (baiano) e a morena Clara (mineira). Nas tentativas de aproximação, Marcos consegue um maior retorno correspondido, é quando:

Andando juntos, quase já se tocavam, seus corpos se tateando. Marcos ousou, sua mão quis conquistar a de Clara, mas ela se subtraiu, embora se deixando num toque de peles, os dedos dela escorregando em sua palma, sutis.” (FONSECA, 2003, p.79).

            Tudo que Marcos queria era ganhar a atenção de Clara. Começam os encontros. O rapaz, na sua intensa vontade de conquistar a mulher que lhe despertou, segue com um comportamento eficaz, na intenção de permanecer merecedor do sorriso, da beleza de Clara, que tanto lhe conquistou.
            Firmando um namoro, os dois chegam a passear sobre os lugares da cidade de Salvador, que tanto admiravam. Conhecem então a Ilha de Itaparica, lugar de marcação amorosa para o novo romance, onde se permitem. Com mais liberdade, vivem novos passeios, é quando chega o momento do maior encontro: em frente à porta do Mercado Modelo, lugar de referência artística, admiração e desconhecido pelo casal.
            O conto traz toda uma marcação do que vem a representar o namoro. Sedução, troca de olhares, viagem de mãos tímidas; estratégias. Viria Marcos ser correspondido pelo amor de Clara, uma vez que ele estava envolvido em um “jogo”, onde “Ela detinha as cartas.” (FONSECA, 2003, p.89)?
            Encontro marcado. Marcos vai ao encontro de Clara em frente ao Mercado Modelo na manhã do dia 10 de janeiro de 1984. É quando, o jovem na sua intensa vontade de viver do amor, chega e se depara com uma grande tragédia: “As marcas do fogo se revelavam, escavadas nas rotas das labaredas extintas. Não havia mais o Mercado” (FONSECA, 2003, p.90). Marcos, não mais viu sua grande paixão e sim as chamas, o fogo invadindo aquilo que seria um marco para sua vida amorosa, o local do qual viveria experiência com um grande amor. O Mercado Modelo não mais existia. Clara não mais se fazia presente.
            O que teria acontecido para provocar tal incêndio? Onde estaria Clara no momento de todas aquelas chamas? O fogo que incendiou o coração de Marcos passou a ser marca de todo uma desilusão: ele não mais viria a namorada: “E ele contemplava, de olhar vazio, o lugar do encontro, lá isolado, sem porta... sem Clara... sem nada” (FONSECA, 2003, p.91).
            As Marcas do Fogo é um conto que apresenta vários elementos textuais. Trabalha a questão do fato-ficção, onde, segundo Lejeune:

“A promessa de dizer a verdade, a distinção entre verdade e mentira constituem a base de todas as relações sociais. Certamente é impossível atingir a verdade, em particular a verdade de uma vida humana, mas o desejo de alcançá-la define um campo discursivo e atos de conhecimento, um certo tipo de relações humanas que nada tem de ilusório.” (LEJEUNE, 2008, p. 10).

Até em que momento Clara estaria indo de encontro com os sentimentos de Marcos? Um namoro que veio a se permitir e de repente se transformar em tragédia, com “As Marcas do Fogo” encerrando um amor, uma história, com um rapaz que apresentou durante toda sua vida um comportamento de homem erguido de cultura, vontade de viver e ser contagiado pelas descobertas da vida. Os marcos citadinos.
Um conto que faz referências a nomes da literatura baiana, a exemplo de Castro Alves e Carlos Drummond de Andrade. Faz relações com a memória, levando o leitor a rever sua condição de vida, trazendo lembranças ao passado, uma vez que leva o leitor a viver os momentos da adolescência. Permite também que seja feita a leitura do que venha ser uma vida e sua trajetória: o passado e o presente poderiam e/ou podem ser diferentes?! Todas essas questões são levadas em consideração por Aleilton Fonseca, quando em consonância ao pensamento de Michel Foucault, em seu livro História da Sexualidade, diz:
                                  
"Mas aquele que se preocupa consigo mesmo não deve somente se casar, ele deve à sua vida de casamento uma forma refletida e um estilo particular. Esse estilo, com a moderação que ele exige, não é definido unicamente pelo domínio de si e pelo princípio de que é preciso governar-se a si próprio para poder dirigir os outros, ele se define também pela elaboração de uma certa forma de reciprocidade; no vínculo conjugal que marca tão fortemente a vida de cada um ser idêntico a si como um elemento com o qual se forma uma unidade substancial." ( FOUCAULT, 1988, p. 164).

Marcos e Clara se perderam no tempo: "O que me dói, não foi perder a essência, mas sim ter a certeza de termos nascidos um para o outro e ter deixado isso se perder pelo caminho" (Marcus Viana).
Portanto, é com um viés do reconhecimento do eu, a busca da identidade, a essência do ser, a verdade, o sentimento, as novas descobertas, que Aleilton Fonseca apresenta o conto As Marcos do Fogo, usando uma linguagem clara e objetiva, conquistando o leitor com uma leitura breve, com significados de cultura e marcas de um romance; um amor com poucas conquistas e uma grande perda: o seu fim.


REFERÊNCIAS:

FONSECA, Aleilton. O Canto de Alvorada. Rio de Janeiro: José Olympio, Salvador: Academia de Letras da Bahia, 2003.

FOUCAULT, M. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.

LUDUS E LITTERA. artimanhas da memória. Maria Theresa Abelha Alves. LÉGUA & ME I A: RE V I S T A D E L I T E R A T U R A E DI V E R S I D A D E CU L T U R A L, ANO 3, Nº° 2, 2 0 04.

http://aleilton.blogspot.com.br/p/biografia.html.

2 comentários:

Aleilton Fonseca disse...

Prezado Ludemberg Pereira Dantas:

Gostei muito de (re)conhecer o meu conto "as marcas do fogo", através de sua excelente leitura. Parabéns pela exatidão e pela sensibilidade de sua abordagem. Agradeço-lhe muito.Um abraço.

Unknown disse...

É uma grande satisfação conhecer sua escrita Aleilton Fonseca. As Marcas do Fogo foi estudado por meu grupo em um seminário na sala de aula, e usei do mesmo para um ensaio a pedido do professor Joabson Figueiredo. Conheço tb seu livro O Desterro dos Mortes. Obrigado por nos servir com sua literatura! Abraços.

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